sábado, 8 de maio de 2010

O Grande Equívoco

Tudo parece não passar apenas de um tremendo equívoco. Na verdade, um equívoco que fez ressurgirem todas as dúvidas e questões que sempre me deixaram perturbado.
Nada de importante se analisarmos esse problema no contexto mais global de uma qualquer evidência cósmica que conduz a humanidade desde há milhares de anos.
Nessa perspectiva, somos pequeninos, eu sou pequenino, muito pequenino mesmo, para que o mundo se detenha por mim e que deus, um qualquer, de qualquer religião, pare um momento para se entristecer com as minhas angústias e se preocupe a deslindar soluções terrenas para um acidente biológico com pretensões a humano, com pretensões a ser designado como "coroa da criação" e com um qualquer remoto parentesco com divindades desconhecidas.
É! A minha existência é um pequeno instante no piscar de olhos do universo. O meu sofrimento, uma gota de água num oceano azul, escuro e frio, onde navegamos.
Prefiro, pois, acordar todas as manhãs (porque tenho esta mania aborrecida de acordar todos os dias) e considerar que tudo isto é apenas um equívoco, um triste e lamentável equívoco, talvez apenas um sonho negro e retorcido proveniente do mais escuro da minha alma.
Os meus sentidos enganaram-me, deram-te voz, uma voz doce e melodiosa com um trejeito único ao falar, deram-te um brilho especial, um olhar inocente, céu, eternidade, caminho sem retorno.
Os meus sentidos criaram-te,aquela que viria para, por imposição inexplicável do destino, encantar a floresta mágica invisível que existe neste muito mais prosaico e triste planeta onde habito.
E hoje, como todos os dias, acordei de novo, com as velhas dores de existir.
Por mais que eu não queira, a vida obriga-me a existir. Penso que apenas por castigo. Um castigo que talvez mereça. Não por ter sido especialmente mau para alguém, ou tenha deixado de ser bom quando tal foi necessário.
Um castigo que talvez mereça apenas porque não consigo dar valor à vida pelo simples facto de estar vivo.
Não consigo contentar-me com amigos, bens materiais, diversões diárias ou nocturnas, não consigo encantar-me com a coscuvilhice mediática, com a infidelidade dos desejos ou a mera luxúria visionária que a outros dá uma perspectiva correcta e definida do caminho traçado para a sua existência.
Durante muito tempo ainda pensei que tudo isto acontecia por não estar na minha casa. Este mundo, o ar que respiro, este corpo, são roupas que eu vestira e não seriam o que eu sou em essência. Durante muito tempo imaginei (deliciei-me a imaginar esotericamente) que esta não é a minha casa. Que não sou daqui. E estaria a anos-luz de mim.
Agora sei que, só essa leve distorção da realidade, era já um indício relevante da loucura que assola, de forma doentia, os próprios fundamentos da minha humanidade.
Sou louco, acordo louco todos os dias, e rejeito a minha loucura. Loucos são os outros.
Talvez essa ilusão, essa forma de me enganar a mim próprio, tenha sido o que me manteve vivo, o que me agarrou aos restos do prato onde alimento o meu espírito mortal.
Talvez, ou talvez tenha sido o medo.
O medo de não saber o que me está ainda destinado, o que existe ou não existe, o medo de descobrir que sou aquilo que odeio, e que a morte não me traria o descanso, apenas a repetição de um filme antigo que já vi vezes sem conta.
Talvez tenha sido o medo, o medo de perder, ainda que não te tenha. Porque mesmo não te tendo, sei que existes, sei que estás aí, enchendo de claridade e beleza um cantinho do mundo que me é proibido.
E continua a doer.
E um dia, um dia terrivelmente simples e igual aos outros, quando pensamos ter tudo estruturado e pensamentos consequentes, quando pensamos que nunca mais é possível sermos surpreendidos pelas nossas emoções, nesse dia, enquanto nos rimos daqueles que sentem, daqueles que ainda conseguem amar, o céu desaba aos nossos pés.
Um dia, somos arrastados pela procela sem saber para onde vamos e quando chegamos.
Um dia, nesse dia, olhamos para as nossas mãos e não restam mais do que sombras do que fomos.
Apenas sombras.
Será tarde? Talvez.
Precisamos do sonho.
Aquele sonho que trouxeste nas tuas palavras e no teu olhar.
Aquele sonho que levaste ao partir.
Por isso as sombras alastram lentamente no meu corpo e afogo-me, pouco a pouco, nas águas turvas desta líquida recordação.
Por isso continua e continuará a doer.
E imagino se algum dia voltarei a encontrar o caminho.
Perdido dentro de mim, o teu tempo é o meu, o teu sol é o meu, e aguardo o que o destino me reserva.
Sempre aguardei. Foi assim que te descobri sem te procurar.
Dias houve em que amaldiçoei esse destino, mas assim como resisti ao teu silêncio, consegui entender e perdoar as voltas sinuosas das encruzilhadas do meu pensamento.
Sou aquilo que de mim fizeram e o pouco que construí.
E quando tiver de prestar contas pelos meus actos, pelo que fiz e deixei de fazer, só poderei dizer a meu favor (e será pouco), que tudo o que fiz foi por amor, por sonho.
Quero resistir a este sofrimento e não consigo.
Se pelo menos as minhas lágrimas lavassem a minha alma dolorida como lavaram a tua...
Se pelo menos soubesse escrever e libertar nas palavras toda a raiva, o sangue...
Se pelo menos soubesse onde estão os duendes e as florestas onde poderei descansar...
Continua a doer...
E não pára...

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